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Cronicazia

Crônicas de quatro: mãos (é claro)

Acendeu a luz vermelha – a da vida e a da gasolina. A opção do posto, hoje pode ser útil apenas para um xixizinho, daqueles que quando aperta você sai em busca de qualquer lugar para aliviar a alma. O combustível anda em falta e, convenhamos, para a vida, isso representa muito mais a perda de uma blindagem e a reinvenção da existência. Achou complexo? É porque você ainda não reparou com atenção nas ruas esburacadas. Carro de passeio é apelido para quem vive eternamente em caminhos offroad. Mas, de volta à reinvenção da existência: é preciso mudar (talvez encontrar um novo combustível). Não dá mais para caminhar do mesmo jeito. Os tempos mudam e o rebolado precisa de outra pegada. É preciso rebolar cada vez mais.

Um dia você acorda e pensa: “vou usar o transporte público”. Não demora para você descobrir que dois corpos não ocupam o mesmo espaço na prática. Se bem que às vezes a conexão entre os seres humanos é tamanha que sua mão segura em um lado do ônibus e a outra fica em algum lugar incompreensível, talvez tocando algum corpo que se aperta entre outros corpos. Dois corpos enfim, talvez ocupem o mesmo lugar, você que não percebe. Está tão inebriado que não nota nada. Respira o que o seu vizinho expira e nem tem espaço para sofrimento ou nojo. É a vida, é bonita e é bonita. No seu percurso, é preciso pegar um metro (essa invenção que colocou o trem debaixo da terra e fez a gente ter que descer, descer, descer e descer e ficar um pouco mais perto do inferno).

A sete palmos ou mais abaixo da terra, a gente mal sente o geladinho do ar, pela impaciência ou pela contingência. Pane, pane, pane, uma atrás da outra, sem dia para acontecer, sem hora para acabar. Pane na Vermelha, na Amarela, na Azul e na Verde. Pane na vida, nas vidas, nas tantas que se amontoam e vão se amontoando, quase umas sobre as outras nas entranhas do vagão de virgens e cafajestes. A luz amarela não mente: é preciso atenção. Até onde vamos com tudo isso?

Em duas rodas? Está mais complicado ainda. É inegável que é muito gostoso sentir o vento batendo, balançando os cabelos, deixando a vida correr gostosa, até que de repente, não mais que de repente, vem um ônibus e bate. É gente para todo o lado. E a vida – que é o motivo de nos movermos e mexermos – se perde ali mesmo, em cima do asfalto, cinza, duro, que rala os joelhos e esquenta tudo. A vida fica fria em cima do asfalto. Morrer está fácil, escolha os meios, o que não vale é a morte morrida. E, enquanto isso, vá vivendo. A verdade, não mais que a verdade, é que sobra gente no espaço. Acendeu a luz verde, caminhe, senão alguém buzinará. É a vida…